Ecologia Humana

A Ecologia Humana é uma Ecologia que inclui gente nos ecossistemas

A ecologia tradicional, ao se preocupar tanto com os aspectos físicos e bioquímicos da natureza, solidificando uma ecologia dos bichos e outra ecologia das plantas, deixou de fora um grupo-chave para o entendimento das dinâmicas dos ecossistemas: a espécie humana, objeto-sujeito da ecologia humana. Mas se trata ainda de uma área do conhecimento pouco conhecida no mundo, particularmente, nos muros acadêmicos. Alvim (2012:15) nos diz que a ecologia humana pode ser compreendida como “uma ciência que estuda as relações humanas, individuais e coletivas com seu entorno, tornando-se um grande instrumento de reflexão e mudança de paradigma em prol da vida”. A ecologia humana é uma ecologia que coloca gente nos ecossistemas, e estudo suas relações e consequências.

Donald Pierson, na sua obra referencial “Estudos de Ecologia Humana” (1945), que influenciou gerações de pesquisadores na área de Ecologia Humana no Brasil, já nos dizia que tratava-se de um campo das ciências sociais “relativamente novo” que diferenciava-se da Geografia Humana e da Antropogeografia. Dizia estar mais relacionada a Ecologia Animal, Ecologia Vegetal e com a Biologia do que com essas outras ciências. Ratifica que a Ecologia Humana “estuda o processo de competição e as relações dele provenientes; relações de homem para homem; de grupo humano para grupo humano e de instituição para instituição, como estas se revelam por índices físicos, principalmente os de espaço…se interessa pelas relações pessoais, na medida em que estas se refletem por sua vez nas relações espaciais” (1945:12-13).

No seu livro A Ecologia Humana das Populações da Amazônia (1990:34), Emílio Moran, cubano naturalizado americano, diz-nos que a ecologia humana “visa integrar o conhecimento sobre a diversidade de comportamentos das populações humanas com os sistemas dentro do qual tais populações se encontram”.

A Professora Iva Pires, do Círculo Europeu de Ecologia Humana, também docente do doutorado de Ecologia Humana da Universidade Nova de Lisboa, define a ecologia humana como “uma ciência social pluridisciplinar para a abordagem privilegiada das múltiplas dependências entre os sistemas sociais e naturais, enfatizando os aspectos culturais e tecnológicos de uma gestão dos impactos ambientais suscitados pela civilização humana” (2011:03). Gerry Marten, em seu artigo ¿Qué es la Ecología Humana?, diz-nos que:

La ecología es la ciencia de las relaciones entre los seres vivos y su medio ambiente. La ecología humana trata de las relaciones entre las personas y el medio ambiente. El medio ambiente, en la ecología humana se percibe como un ecosistema (ver figura 2). Es todo lo que existe en un área determinada – el aire, el suelo, el agua, los organismos vivos y las estructuras físicas, incluyendo todo lo construido por el ser humano. Las porciones vivas de un ecosistema – los microorganismos, las plantas y los animales (incluyendo a los seres humanos) – son su comunidad biológica.


Figura 1: Interacción del Sistema Social Humano y el Ecosistema (Marten)
Gerry, dando um exemplo de interação entre o sistema social e o ecossistema, toma o caso da pesca comercial para ilustrar a destruição dos animais marinhos, dizendo que a ecologia humana analisa as consequências das atividades humanas como uma cadeia de efeitos através do ecossistema e do sistema social humano. Afirma: “los peces, pero tiene efectos imprevistos en otras partes del ecosistema. Esos efectos desencadenan una serie de efectos adicionales del ecosistema hacia el sistema social y viceversa (Figura 2).


Figura 2: Cadena de Efectos Através del Ecosistema y el Sistema Social – Pesca Comercial Oceánica (Marten)
Em 1866, o zoólogo alemão Ernest Haeckel[2] cunhou o termo “ecologia”, no seu livro Morfologia Geral dos Organismos, designando o estudo dos seres vivos com o ambiente, passo fundante para todas as outras ecologias, inclusive, a humana. Considerando as estruturas dessa definição tradicional, poderíamos pensar que a ecologia humana é uma pós-ecologia? Seria, outrora, uma anti-ecologia?

Darwin, nos seus estudos sobre evolucionismo e seleção natural, publicados na obra clássica A Origem das Espécies (2009), foi um dos primeiros pesquisadores a incluir a espécie humana nas investigações sobre interações das espécies com seus ecossistemas. Esse tese foi desenvolvida paralelamente aos estudos do naturalista Alfred Russel Wallace, paralelamente seu texto intitulado “Sobre a Tendência das Espécies de se Afastarem Indefinidamente do Tipo Original, ambas apresentadas na Linnean Society, em 1858 em Londres. Em alguma medida, a ecologia humana pode ser pensada como “o estudo das formas de adaptação ao ambiente por parte das comunidades humanas” (PIRES, 2011:06). Para Thomson[3], Darwin “projetou na vida orgânica uma ideia sociológica; assim vindicou a relevância e a utilidade de uma ideia sociológica no reino biológico”.

Darwin esteve no Brasil por duas vezes, passando por Fernando de Noronha, Rio de Janeiro e Salvador. Em 1831, após seus primeiros contatos com a Bahia escreveu:
O dia passou-se deliciosamente. Mas ‘delicia’ é termo insuficiente para exprimir as emoções sentidas por um naturalista que, pela primeira vez, se viu a sós com anatureza no seio de uma floresta brasileira. A elegância da relva, a novidade dos parasitas, a beleza das flores, o verde luzidio das ramagens e,a cima de tudo, a exuberância da vegetação em geral, foram para mim motivos para uma contemplação maravilhada. Jamais poderei experimentar tanto prazer (In BUENO, 2003:149).

Para Ana Carolina Santos[4], o ponto de partida da ecologia humana é o mesmo das ecologias vegetal e animal, afirmando que o fato básico para essas ciências é a existência, tanto entre seres humanos como entre plantas e animais, de uma competição constante por um lugar no espaço. Ratifica: “a ecologia humana estuda o processo de competição e as relações que dele provenham tal como essas se revelam por índices físicos, principalmente os de espaço”. Eufrásio, no seu livro Estrutura Urbana e Ecologia Humana: a Escola Sociológica de Chicago (1999), referindo-se a essa ideia de que a ecologia humana pode ser pensada a partir da aplicação de conceitos da biologia na conceituação e explicação de fatos sociais, diz ser isso uma “defesa ingênua dos biólogos, pois o conceito de cultura não é levado em consideração”.

Falando sobre o paradigma da “nova-ecologia”, que pressupõe a inclusão das ecologias humanas, Kormondy (2002:57) diz que “representa a tentativa dos antropólogos culturais de reintegrar as análises das adaptações culturais com os estudos gerais da ecologia”.

Begossi (1993) é crítica a esse esforço de generalização em busca de uma definição que aninhe a ecologia humana. Diz: “para estes, generalizar acerca da ecologia humana implica em perda de precisão”.

No fundo, tentamos apreender a ecologia humana na perspectiva de uma epistemologia convergente de vários campos dos saberes científicos e “não científicos” na contemporaneidade. Uma nova ciência? Um novo nível de pensamento? “Uma hipótese sobre a convivência, a ética e a condição humana”? (TAPIA, 1993).

Nos anos 10, especificamente em 1915, temos o marco referencial dos trabalhos da Escola de Chicago nos EUA, sobretudo, de grandes sociólogos que deram destaque para a ecologia urbana. Pesquisadores como Burgess[5], Mckenzie[6] e Park desenvolveram importantes trabalhos sobre a dinâmica humana em áreas urbanas. Em 1921, criaram o termo “ecologia humana”, que, segundo Park: “é uma tentativa de aplicar às inter-relações dos seres humanos, um tipo de análise aplicada anteriormente às inter-relações de plantas e animais” (1945:37).

Em 1911 Thomson fala da relação entre os conhecimentos biológicos e as ciências sociais, tomando como referência os estudos de Darwin. Alguns apontam esses trabalhos como base de surgimento da ecologia humana: a aplicação de sentidos sociais a teorias biológicas. Park[7] (1945:22), em seu artigo “Ecologia Humana”, publicado em julho de 1936 no “The American Journal os Sociology”, diz “que foi a aplicação à vida orgânica de um princípio sociológico – isto é, o princípio da cooperação competidora – que forneceu a Darwin a primeira pista para sua teoria da evolução”.

Em 1923 Barrows já falava em ecologia humana, tratando-a dentro da esfera da geografia humana. Paulo Machado no seu livro “Ecologia Humana” (1984) aponta-o como um dos precursores dessa área do conhecimento no mundo. Park (1945:32) o cita em seu artigo: “a economia, portanto, é simplesmente ecologia humana, é o estudo limitado e espacial da ecologia da comunidade bastante extraordinária em que vivemos”.

Em 1925, Bernard fala das interdependências entre as teorias biossociais e psicossociais, ratificando o enfoque moderno da ecologia humana, no qual foram incorporados novos princípios para além das estruturas biológicas aplicadas às dimensões socioculturais.

O que vai marcar o campo da ecologia humana no mundo é a publicação, em 1936, do importante artigo “Human Ecology” de Robert Park, no “American Journal of Sociology’, como citado anteriormente. A partir dessa análise as criticas que se estabelecem é de que a ecologia humana foi tomada pelos sentidos da sociologia, sendo, antes, uma sócio-ecologia.

Bews, questionando essa perspectiva sociologizante, vai analisar a ecologia humana como síntese inclusiva de todas as ciências. Talvez esse esforço de síntese tenha esvaziado o verdadeiro sentido da ecologia humana. Aliado a isso, em 1945, Wirth vai falar das áreas limitadas das relações da ecologia humana com as outras ciências.

Em 1950, a publicação do trabalho de Amos Hawley, intitulado Human Ecology: a Theory of Community Structure, “representa um momento de revitalização, de definição conceitual e de consagração científica da ecologia humana” (PIRES, 2011:08).

Em 1960, Garret Hardin, importante ecólogo norte-americano, formalizou a ideia da Tragédia dos Comuns num artigo clássico da revista Science, intitulado The Tragedy of The Commons. Esse artigo tem um impacto sobre as análises no campo da ecologia humana, haja vista analisar a relação entre os grupos humanos e os usos dos recursos naturais em determinados ecossistemas, apontando-a como “trágica”, pois sempre promove o esgotamento desses bens naturais. Esse postulado, que inspirou ecólogos em todo o mundo, foi elegantemente destronado pelo dedicado trabalho de Elionor Ostrom, primeira mulher a ganhar o Nobel de economia, quando provou que as práticas tradicionais podem ser mais benéficas à economia e ao meio ambiente do que uma intervenção do Estado ou mesmo do mercado.

Em 1972, em Estocolmo, tentou-se definir a ecologia humana como disciplina científica. Em seguida, foi criado o Círculo Europeu de Ecologia Humana, que elaborou um programa piloto pluridisciplinar de formação nessa área. Em 1973, os reitores das Universidades de Genebra (Suíça) e Paris V (René Descartes) organizaram, sob a supervisão da Organização Mundial de Saúde (OMS), a certificação internacional em Ecologia Humana. Segundo Machado (1984:156), “trata-se de um ciclo de estudos avançados, em regime interdisciplinar e com a cooperação universitária internacional, para o aperfeiçoamento permanente de pessoal qualificado, tratando dos problemas relacionados com as interações homem-meio ambiente”. Em Copenhague, foi instalado um grupo coordenador da área de ecologia humana.

Nesse Círculo, entrou, ainda em 1973, a Universidade de Toulouse III. Em 1974, a Universidade de Bourdeaux I e a Universidade de Aix-Marseille II. Em 1975, a Universidade livre de Bruxelas e a Vrije Universitteit de Bruxela. Em 1976, a Universidade de Pádova e, em 1978, o Instituto Universitário de Évora (MACHADO, 1984:157).

Efetivamente, em 30 de junho de 1978, apoiadas pela OMS, nove universidades de quatro países europeus assinam uma convenção e organizam em comum um Certificado Internacional de Ecologia Humana. Esse Círculo traduziu a mais eficiente experiência de formação em ecologia humana no mundo, com respaldo sobre a estruturação dessa área em diferentes países, entre os quais se inclui o Brasil.

Wirth[8] (1945:65) analisa que a ecologia humana, foi uma das últimas a entrar na cena das ciências sociais, tomando emprestado da ecologia animal e vegetal seu arcabouço de conceitos e os seus métodos. Ratifica: “o malthusianismo, o darwinismo, o movimento do survey social e a Geografia Humana, estão entre os precursores da ecologia humana, que recebeu a primeira formulação de Park e outros mais ou menos em 1915.”

Para muitos autores, a questão central sobre a ecologia humana não diz respeito apenas a uma definição conceitual nem de escalas de análises, mas desafios de natureza metodológica e de perspectiva teórica (PIRES, 2011).

Para Iva Pires, a ecologia humana “mais que uma perspectiva pluridisciplinar, pode constituir-se não num cruzamento de disciplinas, mas num cruzamento de ciências, campo epistemológico aberto ao diálogo entre as ciências sociais e naturais”. Defende a perspectiva da ecologia humana como “de uma inadiável compatibilidade entre a sociosfera e a biosfera” (2011:18, 25).


[1] BLOG: http://alvimrg.blogspot.com.br/p/que-es-la-ecologia-humana.html
[2] Nasceu em Potsdam, Prússia, em 16 de fevereiro de 1834. Era biólogo e zoólogo e também cursou medicina pela Universidade de Berlim, em 1857. Deixando a medicina e se dedicando à zoologia, era adepto das teses evolucionistas de Darwin. Foi professor de zoologia na Universidade de Jena (1862). Em 1866, publicou Morfologia Geral dos Organismos, no qual criou o termo “ecologia”.
[3] In Pierson (1945:23).
[4] “Ecologias em Disputas: a Ecologia de Gilberto Freyre e a Ecologia Humana da Escola de Chicago (1930-1940)”, in Revista Urutágua –Acadêmica Multidisciplinar –DSC/UEM, N. 21, maio/junho/julho/agosto 2010.
[5] Pesquisador associado a centro de Park.
[6] Na época, orientando de pós-graduação de Park.
[7] In Pierson (1945).
[8] In Pierson (1945).