Serra Da Berinjela: A Terra Onde Nascem as Águas

Capa de Livro: Serra Da Berinjela: A Terra Onde Nascem as Águas

“Aqui nascem as águas“.

A Serra dos Morgados de Cima, hoje, Serra da Berinjela, é o local onde estão situadas importantes nascentes do Rio Itapicuru e do Rio São Francisco. Seo Pedro, morador da Serra de Cima, faz um relato que mostra a situação das águas nessa região: “Vou começar daqui do Quererá, uma; Caiçara, duas; Olheiro, já vai três; Caititu, quatro; tinha a Lagoa, cinco; tinha o Junco, seis; tinha a Olaria, sete; aqui o Olho D’água (Amarelo), oito; outro olho d’água aqui atrás da serra que a água é vermelha também, nove; e hoje só o Olho D’água Amarelo tá vivo. O Caititu nunca tinha secado, as mulheres lavavam roupa lá. Tinha dia de ter dez, doze mulheres lavando roupa lá. Aí, veja! O Rio Estiva começava aqui nessa travessa do Popó. Aqui descia água direto desse brejo do Popó, caí na Cachoeira da Serra, forte, saia na baixa e ia sair na Juacema. Dá pra acreditar que tudo isso tá seco?!” Como mostram as narrativas dos moradores e moradoras desse lugar lindo da Caatinga, ao longo dos anos, as serras daqui vêm sofrendo agressões de várias formas. Antes desmatadas para servir como local de plantação de cana e de outras culturas, como pasto para gado, foi daqui que saíram milhares de mourões (troncos grossos de árvores) para instalação das linhas férreas. Mas a devastação não parou por aí. As perfurações de poços irregulares mataram quase a totalidade das nascentes e rios dessa localidade que, hoje, vive momentos recorrentes de falta d´água. É um contrassenso, mas a região que produz água para várias comunidades do Semiárido, passa sede.

Se não bastasse os recorrentes ataques contra a natureza dessa comunidade, mais recentemente, a região é vítima da estranha implantação de mineradoras licenciadas2 pelo município de Jaguarari, sobretudo. Outro fantasma que passou a dessossegar os moradores locais é a notícia da instalação de um parque eólico nessa bela paisagem, nesse singular corredor de ventos, caminhos das neblinas sagradas, como dizem.

Como depõem os locais, trata-se de um região com grande potencial turístico, pois é uma das mais frias do Sertão. Como diz nosso amigo Bebé, atual presidente da Associação dos Moradores: “Aqui poderia acontecer um festival de inverno com feiras de literatura, amostras de cinema e outras artes como acontece em outros lugares de serras, né? Também poderíamos ajudar a melhorar a produção orgânica de alimentos sustentados pela agricultura familiar e pelos quintais agroecológicos que já são ricos aqui. Já pensou? Mas não! A turma só olha para cá com coisas para destruir, tá difícil, ó!” De fato, os poderes públicos que historicamente negligenciaram a vida dessa comunidade só tem olhos para poços, mineradoras, parques eólicos, ou seja, atividades que destroem para sempre essa bela paisagem da nossa Caatinga. Ele está certo! Hoje, apesar de testemunharmos as consequências dessa forma voraz de destruição da natureza, ocasionando situações como a pandemia que atravessamos, nada cessa essa insana forma de lucrar com a destruição dos solos, das matas, das águas. A nomeação “Serra da Berinjela” foi para diferenciar da comunidade co-irmã Serra dos Morgados, situada um pouco abaixo. Ainda é possível proteger a vida, a biodiversidade e a paisagem desse local. A comunidade tem buscado alternativas para reverter a devastação florestal e os danos causados pela perfuração de poços artesianos que secou nascentes e rios. Participa, juntamente com a Serra de Baixo, de um projeto que será financiado pelo Comitê da Bacia do São Francisco (CBHSF), para a recuperação dos olhos d´água e do Rio Estiva. Aos poucos, estão replantando os topos das Serras e protegendo os locais das nascentes. A Nova Cartografia das Serras da Caatinga, realizada por nosso Grupo de Pesquisa (GPEHA3 ), tem a grata felicidade de entregar mais um livro a um das comunidades cartografadas: Serra da Berinjela – A Terra Onde Nascem as Águas. Nosso intento é mapear a presença negra e indígena nessas regiões. Como provam as narrativas da comunidade, esta área foi espaço de ocupação indígena em tempos imemoriais, bem como cenário da presença negra, sobretudo, a partir do cinturão de engenhos instalados nessas terras úmidas do Sertão. Entretanto, a escravidão e suas marcas se escondem nos escombros da violência colonial que ainda vive nessas terras. O “mapa textual” que é esta Cartografia, antes de tudo, ventila o sonho de que, juntos, encontremos um caminho para, ao mesmo tempo que asseguramos condições de vida digna para as pessoas que moram aqui, também protegermos as árvores, os animais e as águas que são a alma viva da natureza dessas Serras Encantadas. Equipe da Cartografia.

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