Ecologia do Espirito

Capa de Livro: Ecologia do Espirito

Se nosso objeto é a consciência encarnada, apreciamos uma ecologia do espírito. Juracy Marques nos convida a uma meditação, olhos faiscantes a atuar como acendedores de nossa lamparina interior.

Sempre nos desafiando a enfrentar nossos medos de autorevelações, Juracy é um amigo das essências. O que nos importa, essencialmente?

Descobrir onde habita nosso espírito, ele diria. E por que você quer saber isso? Primeiro eu quero saber onde, depois saberei por que eu quero saber onde – eis o que ele responde.

A Ecologia do Espírito é uma continuação, compõe uma trilogia – Ecologia da Alma, do Corpo e agora, do Espírito. Sem apontar linearidades cartesianas e previsíveis, as ruminâncias de Juracy apontam para um desembaraço cíclico de questões postas, questões essenciais e potentes da meditação essencial da vida.

Este, a Ecologia do Espírito, começa de modo sui generis, com a revelação de uma psicografia a nos desarmar quanto aos limites dos formalismos acadêmicos e ao testemunhar que é possível, sim, dizer o espírito. Escutar-lhe a voz, mesmo em seu sentido fenomênico, diríamos: ôntico. Mas Juracy chega mais próximo mesmo é de uma ontologia. Ele lança mão de um livre pensar acerca do tempo, do espírito do tempo e do tempo do espírito, da criação, da causalidade. Aponta para o estrangulamento da lógica quando uma metafísica ousa desafiar suas zonas fronteiriças, a um passo do mundo espiritual.

Dialogando com autores tão heterodoxos, e bravamente desfilando por entre searas por demais reservadas em circuitos acadêmicos convencionais, Marques vai invocar Amit Goswami e tantos mais que contribuem na conformação de um paradigma invisível.

Do fascínio de Matthew Alper, que quis achar o divino no cérebro dos humanos, escava as perguntas: “Seria Deus uma ilusão cognitiva?”

Com outra pergunta, deixa-nos livres para decifrarmos: “Mas a natureza programaria uma espécie, embutindo nela uma mentira?

Se chegássemos à conclusão que sim, para quê?”.

Essa me parece ser uma questão central em Ecologia do Espírito.

É também uma dessas perguntas culminantes de um devir histórico que fez a ciência retornar de sua alienação espiritual para enfrentar o Espírito com suas ferramentas mais consolidadas: a neurociência, a biologia evolucionária.

De outro lado, uma aventura na antropologia estruturalista está prestes a ser feita, em busca da unidade psíquica do ser humano, quando nosso Juracy visita as noções do Sagrado nos povos tradicionais, seus vários nomes e o seu profundo respeito ao Espírito, sob inúmeras respostas, ancestrais.

E assim, nosso autor nos convoca a alargar o pensamento, explorar antigos possíveis, experimentar o Campo, numa bravura cósmica.

E, dessa maneira, permitir que o Espírito fale e se insurja, manso como um Deus, e impiedoso contra as janelas que o querem ferir.

Flerta com os ateus e, mesmo, beija-lhes a testa. Nisso, talvez alguns religiosos tenham razão: Deus é misericordioso. Ama quem os odeia. Ele não pode odiar: É Deus. Mas pode, sim, fingir que odeia.

E o faz, de modo comovente.

Ao ouvir o xamã Yanomami, Juracy nos leva a vislumbrar o Espírito a dançar livremente com a Natureza, entretecendo-se, entrelaçando-se com ela, brincando com suas formas, em puro deleite. A noção de espírito, aliás, convém dizer, permanece difusa ao longo de todo o livro, perfazendo todo um conjunto de possibilidades de sentido, numa polissemia irrefreável, porquanto atravessada pelos plurais modos de viver o Espírito, nas mais distintas culturas.

Pungente é a denúncia de Juracy, oriunda de seu trabalho de pesquisa junto aos terreiros de candomblé e umbanda, quando certos discursos atribuem transtornos mentais a quem enxerga o invisível. É certo que a cultura medicamentosa rotularia e medicaria esses indivíduos, como se faz amiúde. Entretanto, Juracy nos lembra de quantos adeptos das religiões de matriz africana viram seus transtornos acalmados e estabilizados com o relacionamento cuidadoso com as entidades e potências que os governam. É verdade, Juracy, nossa civilização é órfã quando se trata de feridas da alma.

Por esse sentido, e por tantos outros, que uma Ecologia do Espírito é necessária. É preciso depurar nossas instituições acadêmico científicas das exitosas e caducas formas de guilhotinas intelectuais, que anestesiam a mente e a entorpecem, obrigando-a a renunciar ao espírito, e mesmo negar-lhe a existência. A Ecologia do Espírito é mesmo essencial em dias tais, quando carecemos dos sentidos que a carta do universo, de Chardin, oferece em silêncio. Essa carta é, diria Teillard de Chardin, decifrada detalhadamente pela ciência, que não consegue, em absoluto, explicitar o sentido profundo dessa mensagem de amor que o universo cognoscível emana, de um Espírito que não se dá tão facilmente aos aparelhos cognitivos viciados por uma razão embrutecida, posto que desencarnada e desespiritualizada, a um só tempo.

Que o tempo do espírito desentranhe, afinal, o espírito do tempo.

João José de Santana Borges

Yogue, Prof. da UNEB – DCH – III

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